Se em uma sala de aula formada hipoteticamente por um aluno de cada um dos 399 municípios paranaenses, a professora perguntasse qual deles têm no hino o verso: “Sou teu filho, só por ti quero viver”, pelo menos 16 deles levantariam a mão depressa, sem titubear, acreditando se tratar apenas da letra de exaltação à terra natal deles. Porém, a frase está presente nos hinos de Curiúva, Lunardelli, Rosário do Ivaí, Uniflor, Adrianópolis, Vera Cruz do Oeste e de outras dez cidades espalhadas pelo Estado.
As semelhanças, que não param por aí, têm explicação. Mais de cem hinos de municípios paranaenses foram compostos pela mesma pessoa: o militar mineiro Sebastião Lima, que morreu em 1996, em Curitiba, aos 78 anos. Segundo a conta dele, foram 186 hinos. Atualmente, porém, o site da Secretaria de Estado de Educação (Seed) atribui 136 hinos a Lima, alguns em parcerias. Somados os hinos de municípios mineiros e catarinenses, são cerca de 200 composições. Com uma fórmula de composição em massa, que ressaltam “planícies e planaltos, ondulados ou verdejantes”, ou que garantem aos municípios o título de “o mais lindo que há”, Lima tornou-se um vendedor de hinos.
O fato é que as similaridades na profícua produção são muito mais que alguns versos recorrentes. Nas redes sociais, vários internautas denunciam “plágios” nas páginas com vídeos dos hinos, principalmente entre municípios do Paraná e Minas Gerais, sem saber que se trata do mesmo compositor. Este foi o caso do blogueiro César Minotti, de Laranjeiras do Sul (Centro-sul). Em 2012, quando produzia um trabalho acadêmico, descobriu que o hino da cidade tinha melodia idêntica e letra bem parecida com os hinos de Santo Antônio do Grama e, em seguida, de São José do Alegre, ambas em Minas Gerais.
“Fiquei muito intrigado e achei que se tratava de plágio. Então questionei as prefeituras daqui e de São Antônio do Grama para ver quem tinha copiado de quem”, lembra. Na época, Minotti recebeu uma mensagem do secretário de Cultura de Santo Antônio do Grama, Marcílio Medeiros, que se disse surpreso com o ocorrido. Segundo o secretário, o hino, cuja autoria era desconhecida pela administração, estava esquecido em uma única fita cassete no arquivo da Prefeitura. Medeiros calcula que foi comprado nos anos 1970.
O que Minotti não esperava é que a pesquisa ganhasse tamanha proporção. Ao saber se tratar de uma réplica, a Secretaria de Cultura de Santo Antônio do Grama resolver trocar o hino do município. Em 2013, a Câmara de Vereadores aprovou a letra de José Henrique Domingues e música de Geraldo Magela Mesquita. O vereador Hermínio de Helvécio disse que a questão do hino gerou muita polêmica à época. “Sentimos a necessidade de adotar outro hino que realmente exaltasse a identidade de Santo Antônio do Grama”, conta.
Helvécio se disse surpreso, mais uma vez, ao saber pela reportagem de que o que pensava ser plágio é, na verdade, autoplágio. “Quem iria imaginar uma coisa dessa, parece brincadeira”, ironiza.
A reportagem contatou também a secretária de Educação de São José do Alegre, Daniele de Oliveira Lima Aniceto. Ela relatou que desconhecia o caso e que iria repassar as informações para o prefeito para estudar possíveis providências.
Mesmo entre cidades do Paraná é possível encontrar hinos praticamente iguais. Separadas por apenas 230 quilômetros de distância, Maria Helena (Região Metropolitana de Umuarama) e Nova Tebas (Centro) têm hinos de melodias praticamente idênticas e letras parecidas. E não estão sozinhas. São Gonçalo do Pará, que apesar do nome fica na região Centro-Oeste de Minas Gerais, compartilha a mesma partitura e versos similares.
A reportagem também constatou a duplicidade nas melodias dos hinos de Cafelândia (Oeste) e Guiricema (MG). Há a possibilidade de outros casos de hinos iguais, porém nem todas as melodias estão disponíveis para pesquisa.
Da boemia às portas das prefeituras
O maestro e tenente da Aeronáutica Sebastião Lima nasceu em 1918, em Miraí (MG). Ainda criança, mudou-se com a família para o bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro. Depois de passagem pela boemia carioca, que lhe rendeu vários sambas gravados por artistas ilustres da época, com quem convivia no Café Nice, famoso reduto das estrelas do rádio, Lima ingressou na Aeronáutica. Até que no final dos anos 1950 foi transferido para Curitiba para fundar a Banda da Aeronáutica.
Como a vida noturna curitibana deixava a desejar no fim dos Anos Dourados, o músico foi aos poucos abandonando a verve de compositor popular para se dedicar à lucrativa atividade de criar hinos municipalistas, já na década de 1970. Ele seguiu com as composições até pouco antes de morrer, em 1996. Além dos municípios, Lima também é autor do hino do Paraná Clube (com João Arnaldo) e do segundo hino do Coritiba (Eterno Campeão), em parceria com Vinícius Coelho.
O compositor, que era casado com Maria Gonçalves de Lima, deixou dois filhos e quatro netos. Todos ainda moram em Curitiba. A filha mais velha, Vera Gonçalves de Lima, de 66 anos, lembra com saudade das andanças do pai pelo Estado. “Quando ele entrou para a reserva, se dedicou totalmente aos hinos. Estava sempre viajando”, conta. Segundo reportagens dos anos 1980, Lima viajava com cerca de 300 fitas com spots e composições para mostrar aos prefeitos.
O radialista Wasyl Stuparyk, que mantém um blog com as memórias do rádio no Paraná, reserva páginas em destaque destinadas à memória do amigo. “Eu rodava bastante com ele pelas gravadoras. Era muito querido e gostava de contar suas lembranças, inclusive as memórias do Café Nice”, lembra.
O jornalista Luiz Geraldo Mazza relata que Lima conseguia rimas para as mais difíceis ocasiões. Em nota publicada na Folha de Londrina, Mazza destacou as incursões do amigo aos dicionários para chegar a palavras como “alfafais”, que incluiria no hino de Bandeirantes (Norte Pioneiro). Em tempo, alfafais significa “extensos aglomerados de alfafas em determinada área”, segundo o dicionário Houaiss.
Prolífico “vendedor de hinos”
Rapaz Que legal , eu coleciono discos de vinil,
e hoje eu encontrei um disco, na verdade ima Matriz em aluminio, com dois hinos do Sebastião. “Hino a professora E hino de alvorada do sul” datado de 1969.
Poxa, que legal, cara. Esse aí é relíquia.